sábado, 1 de abril de 2017

Como ler e entender as Escrituras? Parte I




Por Edvaldo Beranger


Quer queiramos ou não sempre estamos a interpretar. Essa é uma tarefa que aprendemos desde que nascemos. Interpretar para muitos parece ser uma tarefa fácil e desprovida de ciência, mas se olharmos com atenção perceberemos que determinados fatos são fáceis de interpretar, outros não.

Ao olharmos para a Igreja de hoje percebo que muitas pessoas se aproximam das Escrituras do Velho e Novo Testamento sem relevar seu conteúdo, seu gênero literário e ainda a sua distância histórica.

A Bíblia é um livro sem igual, suas raízes não podem ser comparadas com nenhum livro comum, ( II Tm 3:16) ao mesmo tempo cremos que é próprio do ser humano a crítica quando ela parte de pressupostos importantes e saudáveis, não de especulações e hipóteses sem valor histórico. Embora seja um livro escrito por homens (e não foi Deus quem a escreveu), contudo, o Senhor falou através de homens santos e os capacitou pelo Espírito Santo a colocar o conteúdo precioso que ora temos em mãos.

Reconheço por certo que a interpretação da Escritura parte de um pressuposto de dependência da ação do Espírito em nós. Não se trata de mágica e nem misticismo cristão, mas da iluminação interna para a compreensão. E aqui temos a primeira lição hermenêutica sobre a Escritura:

1. Ler a Escritura é um ato de dependência do Espírito de Deus. "lâmpada para os meus pés é a tua Palavra e luz para os meus caminhos" Sl 119:105. Como necessitamos aprender a ler. Ler é uma arte que deve gerar em nós algumas atitudes, isto chamamos de processo hermenêutico:

a) Comprender abordagens históricas. Se estivermos lendo qualquer texto devemos associar a questão histórica para compreendermos o porque foi dito ou pronunciado aquela frase.
A associação histórica é fundamental para não usarmos a Bíblia de forma incorreta. Faça perguntas ao texto: Porque o autor disse isso? Qual a razão do profeta ter usado esta frase? O que estava acontecendo imediatamente neste contexto?

b) Compreender o tipo de gênero literário. Este estágio de leitura requer um conhecimento prévio. Pois ninguém pode ler os profetas sem levar em consideração que é um gênero de literatura distinto. Geralmente os profetas usavam 3 tipos de pregação: exortação a sair do pecado senão o Senhor haveria de puní-los no futuro, mas se houvesse um arrependimento, Deus abençoaria, (Ex. Os 14 ); depois a profecia tinha uma forma de consolo, isto é, Deus sempre através dos profetas dizia que o pacto de Deus com o seu povo continuava por causa da misericórdia de Deus (Is 58, etc...). Há um gênero dentro da profecia que é distinto de todos outros, (não falaremos agora) é o gênero apocalíptico.

No N.T. a profecia assume uma terceira categoria (I Co 14:3) que é a edificação ela é própria para o ensino didático e litúrgico, pois o profeta instrui a igreja , exorta-a e a consola. Por isso é fundamental saber o gênero ou o tipo de livro que estamos lendo para a nossa interpretação.

c) Procure o ponto principal da mensagem, cuidado para não se perder com os detalhes. Muitos interpretam errado determinadas passagens por que se perdem em detalhes que são importantes dentro do assunto principal. Por exemplo: a árvore que Zaqueu subiu não é mais do que o fato de Jesus ter salvo a sua vida. Há pregadores que enfatizam o que o texto não enfatiza. Cuidado, isto pode ser fatal para a interpretação. Pergunte sobre o bloco de texto que você lê: qual é a razão ou a mensagem deste texto?

Espero que estes pequenos lampejos possam ajudá-lo a encontrar na Palavra de Deus a orientação interpretativa que você necessita. Esta é apenas uma parte desta importante tarefa de compreender a Escritura.


Rm 15:4-5 Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança. 5 Ora, o Deus da paciência e da consolação vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus.

Rev. Edvaldo Beranger (Mestre em Artes e Religião e Doutorando em Ministérios D. Min.)

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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES



Quando vejo em nossos dias alguns acadêmicos brigando por causa das traduções eu me preocupo. Primeiro pela falta de amor cristão entre eles; segundo,  com o desconhecimento sobre as traduções. Desde o meu tempo de Seminário (1986) já havia uma briga séria sobre os estudos críticos do NT, e me deparava com as críticas com respeito a uma parte da exegese chamada Crítica textual. Meu professor de Grego (Waldir Carvalho Luz, estudioso de Princeton e aluno de M. Black e Bruce Metzger) me ajudou a compreender os problemas textuais e os problemas com respeito as teorias de Westcott e Hort e a mudança quanto ao Texto Recebido. Sou grato a Deus pela sua sabedoria e ensino, que dizia: "embora tenhamos muitos manuscritos, eles não afetam o cerne da mensagem das Escrituras", isto significa que embora estudemos os por menores dos textos, fazendo uma revisão crítica, estes estudos não afetam a teologia ou o comprometimento da boa e infalível verdade de Deus.


Como professor de grego e exegese recebo alguns emails sobre questões de tradução. Alguns dizem: Esta versão é satânica? Será que o que vemos no Google que esta ou aquela tradução é do Diabo, ou ainda: “esta versão é mais santa do que a outra?” Esta versão da Bíblia segue os melhores manuscritos e foi extraída do Textus Receptus outra do Texto Majoritário e, por isso, é melhor do que outras versões extraídas de outros manuscritos, chamados Texto Crítico? As questões são as mais variadas. Outros ainda afirmam, que quanto mais velho o manuscrito (MSS), mais credibilidade ele tem, e assim a briga se dá com as versões do Rev. João Ferreira de Almeida Corrigida baseada no Textus Receptus, bem como a corrigida fiel, em contrapartida contra as traduções do texto Crítico que são: a Edição da Almeida Revista e Atualizada, a Bíblia de Jerusalém, a Bíblia na Linguagem de hoje, a Bíblia Nova Versão Internacional e agora a Bíblia do século XXI.

Qual é a melhor versão? Qual versão segue os melhores manuscritos? Será que podemos confiar nas versões? Para essas respostas, depende do entendimento que as pessoas têm sobre os manuscritos antigos, elas podem colocar essas versões no céu ou no inferno. Por isso escrevo esse blog para ajudar a entender um pouco melhor sobre o mundo da Crítica textual , matéria tão importante dentro da tarefa da Tradução. Eu não sou um perito, mas um estudioso. Minhas colocações não são para atingir ninguém, e sim unir os crentes em torno da Palavra de Deus e, ao mesmo tempo, estimulá-los a estudá-la.

Eu não vou defender nenhuma das Sociedades, mas advertir que traduções não são os autógrafos originais e sim instrumentos para interpretação, por isso, as mesmas requerem estudos críticos (chamado em teologia de baixa crítica), desprovidos de preconceitos. Por isso, a forma como nos aproximamos dos textos devem ao menos ser respeitosas. Desta forma, delineamos algumas diretrizes gerais sobre as questões da tradução da Bíblia:

Primeiro alguns parâmetros sobre a história do texto em língua portuguesa do Pastor Reformado (e calvinista) João Ferreira de Almeida que trouxe a Bíblia para o Brasil.

Segundo, sobre os avanços da crítica textual desde a Reforma (de forma breve).


O Novo testamento em Português - fase inicial

(Extraído do livro: BITTENCOURT, B.P., O Novo Testamento: metodologia da Pesquisa textual. 3a. Ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1993.).

As primeiras experiências de uma versão em português datam do Rei Dinis (1261-1325) que foi o primeiro monarca a dar atenção a Bíblia em língua portuguesa. A primeira porção traduzida em Portugal datada do século XII ou início do XIII aconteceu por este mesmo monarca com os 20 primeiros capítulos de Gênesis. Em 1320, alguns monges de Alcobaça traduziram uma pequena porção do NT. Depois, temos uma tradução de alguns padres católicos por mandado do Rei D. João I (1385-1433), este trabalho foi feito sobre a Vulgata latina. No séc. XV a infanta D. Filipa, filha de D. Pedro e neta de D. João I, traduziu as Epístolas e os Evangelhos do francês, além de ilustrá-los com as próprias mãos.

Um frade chamado Bernardo de Alcobaça traduziu algumas partes dos Evangelhos diretamente da Vulgata. Seu trabalho foi publicado em Lisboa no séc. XV. Em 1495, um jurista chamado Gonçalo Garcia de Santa Maria traduziu as Epístolas para algumas liturgias e os Evangelhos. Em 1505, Atos e as Epístolas católicas foram impressos por ordem da Rainha Leonora de uma velha tradução. Até o século XVI nada de importante foi feito até surgir um homem "que é central para a história da tradução da Bíblia em português."


João Ferreira de Almeida - defensor da Verdade

Ele nasceu em Torre de Tavares em Portugal, em 1628. Perdeu os pais ainda criança e foi levado à Lisboa para ser educado por um tio católico. Em 1641, quando os holandeses chegaram a Batávia (capital da Ilha de Java), Almeida chegou lá também e através de uma Igreja Reformada holandesa leu um estudo entre as diferenças entre a Igreja reformada e a Romana e abraçou a fé cristã, fez sua pública profissão de fé em 1642 (com 14 anos). Em 1651 foi aceito pelo Conselho da Igreja (chamado também de Consistório) para ser visitador de enfermos. Casou-se com a filha de um pastor holandês e se tornou suplente de Pastor. Depois interessou-se pelos estudos teológicos, tornou-se candidato ao trabalho pastoral na Batávia e assim em 16 de outubro de 1656 foi admitido na condição de Ministro do Evangelho. Ele foi o primeiro ministro ordenado a pregar em português.

Seu primeiro trabalho de tradução realizou-se em 1642, do espanhol para o português. Mais tarde com 17 anos traduziu o NT da versão latina de Theodoro Beza com o auxílio de versões: italiana, espanhola e a francesa. Neste trabalho, Almeida usou dois códices, o 05 ou D = Códice Beza (T. Beza adquiriu este texto do Mosteiro de Santo Irineu depois do ataque dos huguenotes, datado do século V/VI) e o 06 ou D2 ou Dp = Códice Claromontano (ambos são textos que contém o latim e o grego), cada um deles contendo parte do NT que são chamados de textos ocidentais. Bitencourt nos auxilia:

“É fácil compreender quão limitado deveria ter sido o trabalho de Almeida, pois a base de sua obra, o texto latino usado, não era boa, por ser ela própria uma versão, mas ele mostra a habilidade de jovem erudito, capaz de usar tantas línguas em esforço de traduzir em português o NT pela primeira vez na sua totalidade. Esta tradução, como seu primeiro esforço já mencionado, jamais veio a lume, permanecendo somente em manuscrito.” (p. 160-161)


Almeida quis fazer uma boa versão em português em 1670, o qual usou o texto grego bizantino chamado TEXTUS RECEPTUS da Europa continental, que era a segunda edição de Elzevir. Almeida havia avançado muito, ele foi o primeiro que traduziu diretamente do original. Há uma cópia desta edição de Almeida no museu britânico.

Almeida traduziu também a Liturgia da Igreja Reformada e o Catecismo de Heidelberg. Algumas considerações sobre a tradução de Almeida em português são necessárias: Mais uma vez nos ajuda o erudito Bittencourt:

1.    O texto grego que serviu de base para o seu trabalho não era bom, embora fosse o melhor da época;

2. Ele não possuía preparo acadêmico e o fato de haver deixado muito cedo sua terra natal foi-lhe motivo de sérias dificuldades no trato com a língua, [...];

3. Seus dois colegas holandeses...tentaram colocar o trabalho de Almeida em harmonia com a versão holandesa, [...].

4. O trabalho de Almeida representa um avanço definitivo sobre as traduções precedentes, ...pois se baseou no próprio texto grego. Seu trabalho teria sido quase impossível em Portugal, especialmente, se for lembrado que ele traduziu do texto grego de Elzevir, texto não autorizado na época pelo Vaticano, (p.162).

Revisões

Em 1681 o Presbitério da Batávia, com a autorização da Igreja Reformada Holandesa consentiu com a publicação que continha várias falhas e assim foi feita uma revisão em 1691, publicada em 1693. Em 1711, foi publicada uma 3ª edição e em 1773 a 4ª edição revisada. Em 1811 uma edição especial foi impressa pela British and Foreing Bible Society para as colônias de fala portuguesa. Em 1875 foram novamente revisadas e em 1879, pela primeira vez, Almeida foi publicado no Brasil pela Sociedade Religiosa e Moral do Rio de Janeiro.

O pastor Presbiteriano A. L. Blackford, agente da American Bible Society foi o responsável pela revisão final. Esta edição trazia o título de O Novo Testamento mas somente o Evangelho de Mateus foi publicado. Em 1894 outra revisão de Almeida foi feita pelo N. H. Chaves cujo trabalho foi auxiliado pelo Rev. R. Stewart. Com o auxílio da Sociedade Americana da Bíblia (ABS) a tradução de Almeida foi revisada várias vezes até ser publicado no final do século XIX e início do XX pela Casa Publicadora Batista. Então a Bíblia toda foi publicada em 1942 pela Imprensa Bíblica Brasileira da Casa Batista de Publicações. Este foi o primeiro trabalho que contou com a ajuda dos textos originais de Nestle (1898) e o trabalho de Westcott e Hort (1881) com manuscritos mais antigos do qual usou Almeida em sua 1a edição.

É preciso observar algumas coisas antes de concluir. O texto Majoritário (conhecido como colcha de retalhos pelos críticos) que inclui vários textos do século VII ao IX e o Textus Receptus que Almeida usou era uma coletânea de vários textos antigos chamado de texto bizantino. Os códices Beza e Claromontano foram editados pela Reforma e pelos reformadores (que não conheciam ainda muitos MSS encontrados depois). A edição que ficou célebre em 1624 pelos irmãos Boaventura e A. Elsevir foi tomada da edição de Beza de 1565. O prefácio da 2a. ed. informa que o leitor tem o TEXTUS RECEPTUS que está escrito em latim: "texto recebido agora por todos, no qual nós não damos nada corrompido ou mudado." Este era uma soma das edições de Stephanus, Beza e Elzevir e se estabeleceu como o único texto verdadeiro do NT. Desta forma, este texto se tornou a base de todas as versões traduzidas até pouco tempo atrás. Durante os séculos XVII e XVIII os críticos queriam entender as variantes dos textos para declarar quais textos eram mais fiéis aos autógrafos originais (os quais ainda não haviam sido encontrados).

Agora que esclarecemos a questão da Bíblia em português, devemos esclarecer por que há brigas quanto aos originais? Por que algumas Sociedades Bíblicas defendem as versões que usam o texto de Westcott-Hort , também chamado de texto Crítico (1) e outras defendem as traduções que usam o texto Majoritário e o Textus Receptus?

Há duas escolas por trás destas perguntas: a primeira e mais antiga vem da teoria de Westcott-Hort que rejeitou os textos bizantinos (grande maioria esmagadora de MSS) dizendo que eles eram muito alterados pelos copistas. A segunda escola é mais recente com a tendência de defesa do Texto Majoritário e do Texto Receptus (tradição bizantina) nos quais a Reforma, as primeiras versões de Almeida  se basearam. Quando alguns dizem que não importa a crítica e sim a tradução examinamos que falta muito conhecimento sobre o assunto.

Há alguns critérios de Westcott-Hort (WH), que precisam ser examinados em que o texto deve ser avaliado que são: 1) brevior lectio potior (a menor leitura é preferida); a razão é que ao estudar os MSS percebeu-se a tendência dos mesmos de harmonizar, comentar e até acrescentar coisas para ao texto, sabe-se que vários MSS são adulterados pelos escribas; 2) proclivi lectioni praestat ardua (a leitura mais difícil deve ser preferida), neste, tenta-se evitar a harmonização especialmente nos Evangelhos; 3) o argumento da “conflação” que é a mistura de textos e que, só os textos sírios têm e 4) o argumento da genealogia, no qual os MSS mais antigos são mais aceitáveis.(2).

Claro que dentro dos critérios elaborados por WH são subjetivos e somente a exegese pode afirmar dentro dos critérios do texto, contexto e uma visão detalhada dos MSS, coisa não para leigos. Talvez, a pergunta é posso acreditar ou não nos MSS? Uso qual texto, o de Nestle, Tischendorf ou Texto Majoritário e Receptus?

O erudito professor Bruce M. Metzger (professor emérito de Bíblia em Princeton Theological Seminary, falecido em 13/02/2007) elaborou e ampliou estes critérios para que o estudioso da Bíblia possa elaborar suas próprias escolhas quanto a escolha dos MSS, eles são:

1) Determine a data das testemunhas que favorecem cada variante;

2) Determine a distribuição geográfica das testemunhas textuais;

3) Determine o grau de relacionamento textual entre os MSS que apoiam cada variante, e...

4) Determine a qualidade das testemunhas textuais que favorecem cada variante. (3)

Além disso, deve-se inferir cada variante com base no estilo e vocabulário de cada autor, (chamado de critério de probabilidade intrínseca). Quando olhamos para estes critérios o leigo pode se assustar, mas são critérios para determinar a exatidão do texto (claro que esta é uma ciência aproximada e não exata devido a complexidade de mais de 33.000 variações), mas não podemos esquecer que escolhemos um texto não por que nós gostamos dele e nem por ser ele mais "Reformado" que outros, mas de acordo com a sua fidelidade e critérios. Desta forma, não prevalece o meu gosto pela teoria de Westcott-Hort ou da teoria sobre a defesa do Texto Majoritário ou Receptus, mas argumentos que são razoáveis numa discussão.

Uma breve pesquisa na internet nos revela que os critérios para a rejeição do texto eclético (teoria de Westcott-Hort) são por preferências pessoais e não por estudos criteriológicos. Gostaria de mostrar alguns problemas do texto Majoritário que merecem discussões. Minha intenção não é ser conclusivo, mas estabelecer alguns critérios sobre a escolha do texto pelo peso dos Manuscritos.
Vamos examinar 3 textos clássicos nos quais temos problemas textuais e assim fazer uma breve análise sobre eles: Mc 16:8-20; Jo 7:53-8:11 e Rm 8:1.

1) O famoso final de Marcos 16:9-20 aparece segundo Nestle nos seguintes MSS:

2) O Texto da mulher adúltera de João 7:53-8:11 aparece nos seguintes MSS:

3) O Texto de Rm 8:1 com uma adição em seu final que é clássico da Crítica Textual;


No Textus Receptus e no texto Majoritário há vários problemas que vamos enumerar a seguir:
  1. O problemático final de Marcos 16:9-20 aparece em 4 versões em vários ramos de MSS. Os MSS mais antigos (¥ B 304 k sys sams armmss) desconhecem o final que temos em nossas Bíblias e o Texto Majoritário e mais os MSS A C D W Q ¦13 33 2427 Û lat sy c.p.h bo, et al. Assim, o final de Marcos não pode ser um texto confiável para basear nele doutrinas, mas ao mesmo tempo não podemos descarta-lo.
2.    O texto de Jo 7:53-8:11 sobre a mulher apanhada em adultério é mais um texto que aparece o Códice D representante especial do Textus Receptus e que não é encontrado em vários Papiros tais como o î66 î75 ¥ B L N W X D Q Y, 33 157 892 1241 1424, além das versões sy sa bo Arm e go e os pais: Clemente, Irineu, Orígenes, Tertuliano, Cipriano e Nonato. Todos estes omitem o texto inteiro. É verdade que em alguns MSS o trecho aparece aprece depois de Lc 21, outros no final do Evangelho de João, mas deve-se lembrar que eles demonstram ser um texto problemático. Então, pode-se dizer que não é uma questão de subtrair um texto aleatoriamente, mas de examinar que não há consenso sobre a autenticidade a luz da crítica textual.
Tudo isto deve ser posto com cuidado, pois não podemos tirar um texto que é aceito desde a Reforma como autêntico. Mas o grau de confiança deve ser baixado por causa desses MSS mais antigos.
3.    Por fim, o texto de Rm 8:1 em que há um acréscimo em seu final: “que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.”  O qual, o aparatus de Nestle, coloca que o texto que sustenta é justamente o D (Códice Beza do V século) o representante de quase todo o texto Bizantino. Hoje, a não ser nas Bíblias que defendem o Textus Receptus, ele é rejeitado como um “erro de copista”.
Nossa conclusão é que a Crítica Textual merece atenção. Nunca devemos condenar os tradutores e nem ser tão céticos que rejeitemos uma versão porque ela procede de A ou B do grupo dos MSS. É preciso cautela e conhecimento, é preciso estudo e amor a Palavra de Deus e acima de tudo gratidão a Deus por tudo o que Ele já fez e permitiu as cópias para que pudéssemos ter a Palavra de Deus. Termino dizendo que toda essa discussão afeta um grau de possibilidade muito pequeno no comprometimento da verdade das Escrituras, em termos de porcentagem não deve dar nem 5%. Por isso, creio na Palavra de Deus.
(1) Brooke Foss Westcott e Fenton John Anthony Hort lançaram em 1881 uma teoria que rejeitava os textos bizantinos ( Texto Majoritário e o Textus Receptus). Para uma boa discussão sobre isto veja o artigo publicado por ANGLADA, P. A. em http://solascriptura-tt.org/Bibliologia-PreservacaoTT/TeoriaWH-NTGrego-ManuscritologiaBiblica-Anglada.htm.



(2) Anglada em seu artigo sugere que Westcott-Hort tinham tendências liberais em tratar sobre o Texto Majoritário como secundário.


(3) STUART, Douglas, e Gordon D. FEE. Manual de Exegese Bíblica: Antigo e Novo Testamento. Tradução: Estevan Kirschner e Daniel de Oliveira. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008, p.261.



domingo, 24 de agosto de 2014

Ernest C. Colwell - A lei Colwell sobre Jo 1:1

Papiro 66 -Bodmer
Papiro 66 -Bodmer
Um dos problemas exegéticos que quase sempre nos deparamos está em Jo 1:1. Neste, temos a tradução da Sociedade Bíblica do Brasil que contrasta (na Cristologia) com a tradução da Sociedade Torre de Vigia, vejamos por um lado a tradução de Almeida: "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus." Na tradução dos Testemunhas de Jeová (Torre de Vigia) o texto está assim: No princípio era Palavra e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era [um] deus." Já sabemos onde está o problema. João entende que Jesus é Deus ou um deus que não é Jeová? Quem conhece os Testemunhas de Jeová (TJ) sabe que este é um dos pontos cruciais da sua doutrina Unitarista, sobre o nome do Senhor e ainda sobre a negação da doutrina da Trindade.
 
Façamos justiça aos TJs, eles não negam que Jesus seja um deus, mas não é Jeová. Quando Ário levantou a doutrina seu principal ponto era: não negamos a Jesus, mas Ele é um ser criado, derivado e subalterno a Deus. O Arianismo se disseminou e hoje, uma das formas desse Arianismo, os TJ, traduzem a Bíblia como vimos acima.
 
Quero levantar aqui, um erudito americano que muito contribuiu para os estudos da "manuscriptologia", [também chamada de baixa crítica] chamado Ernest C. Colwell (1901-1974). Ele foi o fundador da Universidade de Chicago e descobriu e reconheceu algumas coisas que gostaríamos de destacar neste artigo e depois demonstraremos como o seu trabalho contribuiu para percebermos que a tradução dos TJ está equivocada.
 
Dentre vários trabalhos, Colwell reconheceu uma familiaridade textual extraordinária entre o Minúsculo 2427 e o Códex Vaticanus. Os Minúsculos eram Códices (cadernos ou livros), escritos em letra cursiva datados do VIII século em diante. Das muitas cópias em letra cursiva, o 2427 contém somente os Evangelhos e é datado do século XIV aproximadamente. Já o Códex Vaticanus é um Uncial (letras MAIUSCULAS, todos esses escritos em folhas de papel), datado do século IV e contem a Bíblia toda com exceção do Apocalipse. Os estudos de Colwell demonstraram que o Minúsculo 2427 preservou um "texto primitivo" do Evangelho de Marcos  chamado ("Archaic Mark"). Ele examinou o Minúsculo 330 do século XII (especialmente nas cartas paulinas) o qual é muito semelhante aos Minúsculos 451 (século XI); o 2400 e 2492 (século XVIII), trazendo grande andes informações sobre estes Mss.
 
Quando examinou o Papiro 66 (século II e III também chamado de P Bodmer, famoso nos trechos de João), o Códex Sinaiticus (século IV), o Códex Alexandrinus (século V) e o Códex Washitoniano (século V), descobriu um relacionamento entre eles e, sua conclusão foi que havia entre eles uma leitura singular e estreita. Em 1959, Colwell junto com outros desenvolveu um método de relacionamento entre as muitas testemunhas (MSS - Manuscritos) dentro do que entendemos com Criticismo do Novo Testamento. Este método é conhecido como Claremont Profile Method (Método do Perfil Claromontano). Este método explica o perfil dos MSS Minúsculos dentro da crítica neo-testamentária.
 
Depois dessa breve explicação voltemos ao nosso assunto de Jo 1:1 e a contribuição de Colwell a serviço da tradução. Isto é conhecido como a "Colwell´s rule" ou a “Lei de Colwell”.
 
Vamos enumerar o problema do grego:
Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος,
καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν,
καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
(Joh 1:1 BNT)
 
Há três frases em Jo 1:1 que muitos tradutores (leigos) tem dificuldades neste ponto. Todas as Bíblias (protestantes e católicas) entenderam o problema que se mostra assim: Na 1a frase temos literalmente: No princípio era o logos (Palavra). O Logos vem com artigo, definindo assim que o sujeito é a Palavra no Princípio de todas as coisas. Na segunda frase temos: e o logos estava com o Deus. Aqui, vê-se que novamente [e continuadamente] o sujeito é o Logos, mas nessa frase temos dois artigos definidos: o primeiro definido o Logos (ὁ ) e o segundo definindo Deus com uma preposição e artigo acusativo (πρὸς τὸν) com o que destaca Deus e a importância do Logos. Até aqui, entendemos muito bem, o texto é claro e de vital importância para o Cristianismo, mas a última frase temos um semitismo. Vamos ao texto: e Deus  (sem artigo) era a Palavra ou A Palavra era Deus.
 
Para muitos, este texto é um problema:
 
1) Porque Deus está sem artigo?
2) O que se faz numa frase quando temos dois substantivos, um com o artigo e outro não?
3) Quais as implicações disso? É relevante para a Cristologia Evangélica ou os TJs estão corretos?
 
Em primeiro lugar, Colwell percebeu que há traços de Semitismo no NT, especialmente nos escritos Joaninos. Não há tempo para falar sobre eles, mas precisamos descobrir porque o Evangelista não colocou artigo na 3a frase do verso 1 de João.
 
Vamos a Lei de Colwell:
Ele descobriu que o substantivo predicado que precede o verbo, usualmente não usa artigo. Um predicado nominal que precede o verbo não pode ser traduzido como um substantivo indefinido ou uma "qualidade" do substantivo somente por causa da ausência do artigo (anartro); Se o contexto sugerir que o predicado é definido, isto seria traduzido como um artigo definido do substantivo."
 
Em palavras menos técnicas, pode-se ver que quando há numa frase dois substantivos um com artigo e outro sem artigo (anartro), o substantivo articulado (com artigo) é o sujeito da frase, e o outro é o predicado nominal, ou predicativo do sujeito. Isto desmontra que a tradução da torre de Vigia gramaticalmente, está errada. Não há razão para rejeitar a frase: E o Logos era Deus, dentro do NT ela está correta. Ela é legitima dentro dos escritos do NT.
Desta forma, as nossas 3 perguntas acima foram respondidas, Deus está sem artigo porque esse é um traço do Semitismo Joanino e para destacar que o Logos é Deus; segundo, dois substantivos precisam ser vistos a luz da lei de Colwell e terceiro os impactos disto para a Cristologia são tremendos.
 
Encerro esse pequeno artigo levantando três coisas: primeiro a importância desse erudito e os seus estudos dentro da baixa crítica neotestamentária; segundo parabenizando os tradutores das Sociedades Bíblicas que não se deixaram seduzir pelo erro Ariano e terceiro sobre a importância em saber que a Bíblia afirma que Jesus Cristo é Deus, Ele é o Logos encarnado, foi levado a cruz pelos judeus e romanos porque ousou ser igual a Deus, o que para eles foi blasfêmia, para nós é motivo de louvor e amor!
 
Em Cristo Jesus, o Logos Eterno!
 
Fontes:
Aulas de Crítica Textual e exegese do Rev. Dr. Waldyr Carvalho Luz no Seminário Presbiteriano de Campinas;
Colwell, E. Cadman, A Definitive rule for the use of the article in the New Testament. Journal of Biblical Literature, 52 (1933): 12-21.
 
 




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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

EXISTENCIALISMO EVANGÉLICO: PROFECIAS E PROFETADAS E A VOLTA DE KIERKEGAARD


     Quero lembrar neste artigo, algo que foi dito em algumas décadas por Francis A. Schaeffer sobre o filósofo Soren Kiekegaard. Schaeffer disse (Morte da Razão, p. 21), que ele foi o primeiro homem abaixo da linha do desespero humano. Isto significa que ele criou um protótipo de existencialismo cristão.  Quero lembrar porque o mundo evangélico está, penso eu,  na ascensão do existencialismo evangélico. Pastores pregam e tiram lições (proféticas) de coisas que Deus nunca falou, ou melhor, são inventadas para vender determinadas ideias e para formalizar uma forma de Cristianismo que não é verdadeiro. 
     As promessas dentro dessas profecias são as mais esquisitas, especialmente aquelas que estão relacionadas a  interpretação bíblica. A Bíblia é usada para a extração de ideias malucas e absurdas tais como: assim como Davi venceu o gigante você vai vencer todos os problemas financeiros, ou ainda: com os 318 pastores você vai vencer, etc.... Qualquer pessoa com um mínimo de sensatez veria nesta ideia algo esquizofrênico. Ao mesmo tempo, isto vem de uma geração em que o intérprete é o senhor da interpretação, por causa do existencialismo. 
     Vamos voltar ao pensamento de Kierkegaard para entender um pouco dessa loucura! Paul Strathern fala o seguinte sobre o existencialismo proposto por Kieerkegaard: "Então surgiu o existencia­lismo, que não exigia que se acreditasse em nada. Na verdade, ressaltava mesmo que o desespero era parte da condição humana [...] A filosofia central do existencialismo — “o proble­ma da existência” — foi considerada um produto típico do século XX, com suas características aliena­ção, angústia, absurdo e preocupação com temas inquietantes do gênero."
     É interessante notar que algumas características do existencialismo estão presentes no mundo evangélico hoje:

1) No Existencialismo havia uma preocupação tremenda entre a relação interna do ser humano e o mundo. No existencialismo cristão hoje vemos algo beirando o desespero. 

     Os cultos e os shows são formas de extravasar os sentimentos repreendidos durante anos da repressão sexual, repressão dos pais, da pobreza, e como os gritos num campo de futebol, a igreja extravasa e o único interessado não é Deus, mas o ser humano, a minha hora, o meu eu, simplesmente: nós mesmos.

2) No Existencialismo, tudo era voltado para o "eu" fazendo com que o mundo girasse em torno de nós mesmos. No existencialismo cristão da pós-modernidade,    a mesma verdade é vista nas pregações e interpretações de vários profetas prometendo e vendendo "o melhor desta terra". 

     Interpretando os tesouros de Israel e as profecias de forma literalista para "nós". Deus vai fazer você prosperar, e isto é se você seguir as regras e os "mantras" dos gurus espirituais. Parece que paira nesse tipo de teologia a ideia de que: "eu sei o caminho das pedras e você não sabe". Princípios da Bíblia são ignorados pela outra bíblia que é pregada por esses profetas. 

3) No Existencialismo de Kieerkegaard havia uma ênfase na subjetividade, isto é uma existência sem princípios muito claros de vida. Essa mesma ênfase subjetiva é vista na vida do evangelicalismo hoje. 

     Vejamos algumas ênfases da pós-modernidade cristã: falta de compromisso com a Igreja de Cristo, falta de compromisso em pregar o Evangelho e compartilhar a fé; falta de amor pelos irmãos da fé, aos doentes, aos velhos, às crianças, então "não tô nem aí". O lema de Zeca Pagodinho poderia ser a existência de muitos cristãos hoje: "deixa a vida me levar, vida leva eu, sou feliz e agradeço, por tudo o que deus me deu". A única coisa que interessa para muitos cristãos é o que o "deus" da existência pode me proporcionar. Os fins sem princípios justificam os meios sem escrúpulos. 

4) No Existencialismo os prazeres hedonistas e sensoriais foram liberados a proporções extremas sem a preocupação com a moral e com Deus. 

     No Existencialismo Religioso os prazeres sensoriais não foram totalmente libertados de Deus, mas em Deus eu posso tudo o que o meu prazer quer. Eu desejo em Deus, assim Evangélicos estão usando os mesmos artifícios dos que não tem princípios bíblicos tais como: Shows, cultos que procuram agradar as pessoas, pastores que pregam para agradar os ouvidos dos ouvintes, pessoas escravas de desejos e a mercê de situações. 

5) Assim como no Existencialismo surgiu um pragmatismo existencial, hoje o evangelicalismo, pelo seu pragmatismo "gospel" despreza o velho para ressaltar o "ic et nunc", aqui e agora.

     Deus é importante dentro do meu pragmatismo, isto é, se tudo estiver bem comigo, vou contribuir, ou melhor vou contribuir para receber. Deus passou a ser um "gênio da lâmpada" que satisfaz todos os desejos daqueles que são "fiéis". Em termos musicais, as Igrejas que cantam a moda ditada pelo mercado gospel é "a Igreja". Certa vez convidei um irmão para pregar e ele trouxe um conjunto. Quando fui selecionar alguns cânticos para a igreja cantar, fui ridicularizado pelo pianista que disse: "- pastor isso é muito velho, eu me recuso a cantar isso". Não tenho nada contra o novo, gosto de coisas novas, mas como alguém que entende um pouquinho de música digo, no mercado há muita música pobre. A minha preocupação é este desprezo pelos hinos, pelas músicas que fizeram parte da vida dos nossos irmãos e que hoje são desprezadas pelos "jovens pós-modernos". Isto é existencialismo levado a potências perigosas. 

6) No Existencialismo o ser era o foco principal, no Evangelicalismo contemporâneo, também. 
     
     Embora devemos agradar as pessoas, o culto, as músicas e a vida devem ser feitas para agradar a Deus. Tiago nos diz que manter um relacionamento de amizade com as coisas deste mundo é perigoso, (Tg 4:5). Ao mesmo tempo Efésios 6:6 nos ensina: "Näo servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus." Nós não fazemos culto e reuniões para fazer as pessoas se sentirem bem. Tenho escutado alguns dizendo que a igreja da pós-modernidade tem um "novo formato", as pregações são como capítulos de uma série, o louvor é sensível ao coração, pergunto de quem? O Pastor, nestas igrejas não precisa usar terno e gravata, pois isto assusta as pessoas. Sua mensagem deve ser bem confortável e não se deve usar termos difíceis como justificação, trindade, etc..., e coisas do gênero. O pastor em algumas Igrejas tem "banqueta", mais para parecer um "bate-papo". Na hora de louvar a Deus, fique a vontade, isto é sentado, não precisa se levantar na presença do Rei dos reis. 


Este salto de fé é um tipo de pregação sem sentido (pra quem tem conteúdo) pois não se baseia nas proposições claras da Escritura e sim na subjetividade. Por exemplo, Jesus curou o leproso em Mt 8:1-5, o texto é uma narrativa que demonstra a sensibilidade de Jesus, o toque de Jesus, a manifestação do poder de Jesus, e a vontade de curar de Jesus, etc...; mas dizer que Jesus cura toda a enfermidade é um erro. Ele pode curar por que Ele é Deus, mas o texto não nos garante que Ele vai curar qualquer enfermidade. Desta forma de pensar, muitos vão atrás desse tipo de pregação pois apelam muito para o “salto de fé”. Quando vejo alguém dizendo: “você vai prosperar!”, penso que isto é um salto de fé sem o menor conteúdo.

Assim como o Existencialismo focalizava somente o ser, o Evangelicalismo moderno focaliza a Igreja em si. Esta é uma característica da Globalização segundo Chunakara: "a Globalização parece que torna o mundo tão pequeno valorizando cada pedaço, a isto chama-se de colonialismo como uma forma de exploração de cada parte e cada lugar." (http://www.religion-online.org/showbook.asp?title=1559 acessado em 25/02/2013 as 10:50). Como se pode ver há no meio Evangélico um despertar local, não mais visto como a "santa grei", "os cristãos", mas uma fixação local, tal como: minha Igreja, minha comunidade, e meu Cristo. Eclesiologicamente falando, isto é o contrário do ideal de Igreja proposto pelo Senhor Jesus em Jo 17. 

     Desculpe a minha ironia, mas as recomendações da Palavra de Deus e algumas características do culto reformado estão desaparecendo. Essa é a minha crítica pela volta do Existencialismo de Kierkegaard. Que o Senhor nos ajude a viver em tempos tão confusos. 

Pense nisto!

Rev. Dr. Edvaldo Beranger
Pastor da I.P. de Araçoiaba da Serra e Professor na área de hermenêutica.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Influência do Romantismo

         A Influência do Romantismo na interpretação subjetivista de F. Schleiermacher

 (Este texto faz parte da Tese de Doutorado - veja abstract no final da página) 

O Romantismo é algo difícil de definir. A melhor maneira de defini-lo talvez seja como uma reação contra o Iluminismo, especialmente contra a alegação de que a realidade pode ser apreendida pela razão somente.[1] Desta forma o Romantismo se encontrava insatisfeito em relação às doutrinas tradicionais da teologia e ao mesmo tempo com as idéias do Iluminismo de descobrir o universo. O Romantismo pregava que:
A razão ameaça limitar a mente humana àquilo que pode ser deduzido; a imaginação é capaz de libertar o espírito humano dessa prisão que lhe é imposta por si mesmo, permitindo-lhe descobrir a realidade de uma forma nova e mais profunda, “algo” indefinido e intrigante que é possível ser percebido no mundo das realidades diárias. O infinito faz-se presente no finito e dá-se a conhecer por meio dos sentimentos e da imaginação.[2]
   
Desta forma, enquanto o Iluminismo  voltava-se para a razão e para a mente humana, o Romantismo por sua vez, ressaltava os sentimentos humanos, reputados como “uma chave para todos os mistérios”. Foi por esse motivo que o Iluminismo condenou a imaginação e o sentimento como “heresias”, pelo fato de que estes aspectos ofereciam acesso ao “Idealismo mágico” do infinito. Assim a “subjetividade e a intimidade eram agora vistas como espelhos do infinito”. [3]
Schleiermacher foi o primeiro a formular a questão hermenêutica de forma distintiva dentro do Romantismo. A história da igreja relata discussões da hermenêutica e da exegese com regras e princípios estabelecidos. Até o século XIX, os que se preocupavam com a hermenêutica eram os teólogos, mas não havia uma matéria específica dentro da filosofia que cuidasse da hermenêutica.  Schleiermacher desenvolveu também uma concepção da psicologia do autor, que são as características subjetivas não reveladas do autor que estão atrás do texto. Desta forma ele abre a possibilidade para a subjetividade de interpretação. Também, ele foi o primeiro pensador a formular de maneira clara o “círculo hermenêutico”.[4] Nesta parte se verá a raiz dessas concepções dentro do Idealismo Romântico.
Na obra de Schleiermacher “Hermenêutica e Criticismo“ há uma definição que demarca a intenção dele em delinear sua hermenêutica unindo-a ao criticismo e isolando a hermenêutica como disciplina filosófica. Ele inicia sua introdução da seguinte forma:
Hermenêutica e Criticismo são disciplinas filosóficas: ambas são teorias que começam juntas porque a prática de uma pressupõe a outra. A primeira é geralmente arte do entender particularmente o discurso escrito de outra pessoa e a segunda é a arte de julgar corretamente e estabelecer a autenticidade de textos e partes de texto de adequada evidência e data. [...] a prática do criticismo pressupõe hermenêutica.[5]

Nesta obra há uma reação dele ao racionalismo que por um lado sustenta e afirma o criticismo e por outro o que foi chamado posteriormente de “concepção Romântica” da interpretação.[6] Há evidências de que o Método Histórico Crítico está nutrindo a declaração acima. Grenz afirma que Schleiermacher foi o primeiro a sugerir que os textos da Escritura não eram tratados teológicos sistemáticos e sim produtos de mentes criadoras em respostas a determinadas situações.[7]
Essa concepção Romântica, segundo Tillich, não foi desenvolvida no século XIX e sim, dentro do pensamento humanista desenvolvido desde a Renascença, sobre o Romantismo, diz:
Podemos, assim, dizer que em Goethe, os motivos de Nicolau de Cusa, de Giordano Bruno, e do Earl de Shaftesbury se combinaram para formar uma imagem da realidade que seria mais tarde, na segunda metade do século XIX, superada pelas ciências empíricas. [...]. A filosofia Romântica, dessa maneira, substituía a religião pela intuição estética. Sempre que alguém disser que arte é religião, estamos na esfera da tradição Romântica.[8]

Esta concepção do Romantismo tinha duas premissas importantes para a hermenêutica de Schleiermacher: a primeira é a concepção Romântica do infinito dentro do finito. Isto Schleiermacher fez sem levar em consideração a teologia protestante de sua própria tradição luterana.[9] Ele usava o vocabulário da teologia antiga com uma nova concepção.[10] Seu conceito de um “ser superior” vai além da finitude,[11] isto é, além da natureza.  Isto é, em parte pela tradição protestante e pelo diálogo com a filosofia do Romantismo. Nesta concepção não há lugar para uma revelação fechada e estática.[12] Durante o Iluminismo, a nova ciência do criticismo histórico havia levantado questões que desacreditavam a origem da Bíblia e de Deus.[13]
A segunda premissa estava no conceito de liberdade autônoma. O pensamento do homem é dinâmico e não se submete aos padrões convencionais da religião, pensavam os racionalistas. Por isso os romântico-idealistas como Schleiermacher desenvolveram o conceito da liberdade dentro deste ideal respondendo aos racionalistas.
Dentro das premissas do infinito e da liberdade autônoma, Schleiermacher construiu sua teologia da “intuição”. Esta intuição é baseada em sua proposta do sentimento religioso.[14] Thiselton chama a atenção pelo fato de que esse sentimento religioso não é algo natural do ser humano, ele diz: “intuição não significa sentido ou percepção..., mas significa a permissão que a atividade da presença infinita trabalha no finito ser”.[15]  Neste caso, os estudiosos são quase unânimes em conferir-lhe a posição de “pai da teologia moderna”, “príncipe da Igreja”, “o mais influente teólogo desde Calvino”, e o “idealizador da teologia liberal” por cerca de duzentos anos.[16]  
O período do Romantismo do século XIX foi uma reação ao racionalismo frio da filosofia Iluminista.[17] Isto significa que há uma apologia dos conceitos tais como: Deus, a natureza, o belo, entre outras coisas.  Por causa do racionalismo muitas concepções religiosas estavam sendo desacreditadas. Brown explica a situação de Schleiermacher como um mediador entre a filosofia e a teologia da seguinte forma:
Havia aquela dos Reformadores que baseavam seu ensino na revelação bíblica. E havia aquela dos filósofos que procuravam elaborar uma teologia natural baseada em várias deduções lógicas acerca do mundo, [...]. A partir de Tomás de Aquino, havia aqueles que procuravam combinar as duas abordagens mediante o processo simples de somá-las. E havia filósofos como Kant que sustentavam que as duas se cancelavam mutuamente. Por causa da teologia natural, estar podre nos próprios alicerces era incapaz de sustentar a superestrutura da teologia cristã. Schleiermacher procurou obter um curso no meio dos dois. Desenvolveu aquilo que às vezes é chamada de teologia positiva.[18]

Essa “teologia positiva” ou via intermédia do romantismo-idealista de Schleiermacher sustentava tanto a filosofia como a religião. Havia na Europa do século XIX um descrédito religioso e por outro lado o Romantismo destacava outras áreas tais como: as artes, a poesia[19], os sentimentos e a intuição que eram qualidades da percepção. Segundo a hermenêutica de Schleiermacher essas qualidades eram chamadas de “divinas” ou de qualidades “divinatórias”, ou seja, feminino e intuitivo dentro de cada ser.[20] Essa percepção divinatória foi usada por Schleiermacher na formulação hermenêutica de suas idéias dentro do Romantismo.



[1] Os grandes propulsores do movimento Romântico na Europa foram os irmãos Friedrish William Schlegel e August W. Schlegel e W. Wordsword.
[2] MCGRATH, op. cit.  p.133.
[3] Ibid. p.134.
[4] THISELTON, Anthony  C. op. cit.  p. 204.
[5] SCHLEIERMACHER, E. D. F., Hermeneutics and Criticism and Other Writings. Tradução de Andrew Bowie, New York: Cambridge University Press, 1998, p. 3, Tradução nossa.
[6] THISELTON, A. C.  op. cit. p. 4
[7] GRENZ, S. J. Pós-modernismo: Um guia filosófico para entender o nosso tempo. São Paulo: Edições Vida Nova, 1996, p. 143.
[8] TILLICH, Paul, op. cit. p.92 e 94.
[9] Desta forma Schleiermacher incentiva uma religião natural, isto é, uma religião em que se pode sentir “deus” dentro de cada ser, contrariando a Reforma que afirmou que é impossível ao ser humano buscar a Deus através do ser humano natural, isto é sem Cristo, cf. Rm 3:11 e Ef 2:1-3. 
[10] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã: Um esboço desde a Idade Média até o presente. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989, p.80.
[11] Desta forma o tema de S. J. Grenz e R. Olson está correto quando afirmam que estes teólogos-filósofos intentavam reconstruir a transcendência de Deus destruída pelo Iluminismo empirista. Para mais detalhes veja cf. GRENZ e OLSON 2003, p. 25-71.
[12] Embora não haja entre os Românticos nada contra a Escritura, o conceito desenvolvido sobre o “infinito” ultrapassa a própria Escritura. Para uma exposição deste período veja cf. TILLICH 1986, p. 89-136.
[13] GRENZ e OLSON, op. cit., p.48.
[14] A palavra alemã gefühl  traduzida por sentimento seria a sensação de ficar totalmente dependente de alguma coisa infinita que se manifesta nas coisas e pelas coisas finitas (GRENZ e OLSON 2001, p. 558). Assim a verdadeira religião está “na consciência imediata da existência finita de todas as coisas no infinito e através dele, na consciência de todas as coisas temporais no eterno e através dele” (GRENZ e OLSON 2003, p. 50).
[15] THISELTON, A. C. op. cit. p. 212, Tradução Nossa.
[16] GRENZ e OLSON. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Tradução: Gordon Chown.São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 43-44.
[17] Ibid. 2003, p. 45.
[18] BROWN, C. 1989, op.cit., p. 79 sic.
[19] Destaca-se que neste período do Romantismo Johann Wolfgang Von Goethe (1782-1832) era o grande poeta do momento.
[20] THISELTON, A. C. 1992, op.cit. p. 222.

Abstract


The post-modernity, a daughter of the modern era has suscitasted subjective forms of interpretation. These forms affect the comprehension of the Holy Scriptures´ texts in many senses, separating its objectivity. The purpose of this thesis is to elucidate that subjectivity since the Romantic Idealism until our days and to demonstrate that there are confrontation between both the form of exegesis and hermeneutics proposed by the Reformation and that subjectivity. At the same time it intends to question these methods of interpretation and to demonstrate that the correct interpretation depends on the intension of the Scripture’s author and of the biblical text, in order to eliminate a incoherence of that subjectivity.

Key words: Hermeneutics, Subjectivism, Rationalism, Reformed hermeneutics and post-modernity.