quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Influência do Romantismo

         A Influência do Romantismo na interpretação subjetivista de F. Schleiermacher

 (Este texto faz parte da Tese de Doutorado - veja abstract no final da página) 

O Romantismo é algo difícil de definir. A melhor maneira de defini-lo talvez seja como uma reação contra o Iluminismo, especialmente contra a alegação de que a realidade pode ser apreendida pela razão somente.[1] Desta forma o Romantismo se encontrava insatisfeito em relação às doutrinas tradicionais da teologia e ao mesmo tempo com as idéias do Iluminismo de descobrir o universo. O Romantismo pregava que:
A razão ameaça limitar a mente humana àquilo que pode ser deduzido; a imaginação é capaz de libertar o espírito humano dessa prisão que lhe é imposta por si mesmo, permitindo-lhe descobrir a realidade de uma forma nova e mais profunda, “algo” indefinido e intrigante que é possível ser percebido no mundo das realidades diárias. O infinito faz-se presente no finito e dá-se a conhecer por meio dos sentimentos e da imaginação.[2]
   
Desta forma, enquanto o Iluminismo  voltava-se para a razão e para a mente humana, o Romantismo por sua vez, ressaltava os sentimentos humanos, reputados como “uma chave para todos os mistérios”. Foi por esse motivo que o Iluminismo condenou a imaginação e o sentimento como “heresias”, pelo fato de que estes aspectos ofereciam acesso ao “Idealismo mágico” do infinito. Assim a “subjetividade e a intimidade eram agora vistas como espelhos do infinito”. [3]
Schleiermacher foi o primeiro a formular a questão hermenêutica de forma distintiva dentro do Romantismo. A história da igreja relata discussões da hermenêutica e da exegese com regras e princípios estabelecidos. Até o século XIX, os que se preocupavam com a hermenêutica eram os teólogos, mas não havia uma matéria específica dentro da filosofia que cuidasse da hermenêutica.  Schleiermacher desenvolveu também uma concepção da psicologia do autor, que são as características subjetivas não reveladas do autor que estão atrás do texto. Desta forma ele abre a possibilidade para a subjetividade de interpretação. Também, ele foi o primeiro pensador a formular de maneira clara o “círculo hermenêutico”.[4] Nesta parte se verá a raiz dessas concepções dentro do Idealismo Romântico.
Na obra de Schleiermacher “Hermenêutica e Criticismo“ há uma definição que demarca a intenção dele em delinear sua hermenêutica unindo-a ao criticismo e isolando a hermenêutica como disciplina filosófica. Ele inicia sua introdução da seguinte forma:
Hermenêutica e Criticismo são disciplinas filosóficas: ambas são teorias que começam juntas porque a prática de uma pressupõe a outra. A primeira é geralmente arte do entender particularmente o discurso escrito de outra pessoa e a segunda é a arte de julgar corretamente e estabelecer a autenticidade de textos e partes de texto de adequada evidência e data. [...] a prática do criticismo pressupõe hermenêutica.[5]

Nesta obra há uma reação dele ao racionalismo que por um lado sustenta e afirma o criticismo e por outro o que foi chamado posteriormente de “concepção Romântica” da interpretação.[6] Há evidências de que o Método Histórico Crítico está nutrindo a declaração acima. Grenz afirma que Schleiermacher foi o primeiro a sugerir que os textos da Escritura não eram tratados teológicos sistemáticos e sim produtos de mentes criadoras em respostas a determinadas situações.[7]
Essa concepção Romântica, segundo Tillich, não foi desenvolvida no século XIX e sim, dentro do pensamento humanista desenvolvido desde a Renascença, sobre o Romantismo, diz:
Podemos, assim, dizer que em Goethe, os motivos de Nicolau de Cusa, de Giordano Bruno, e do Earl de Shaftesbury se combinaram para formar uma imagem da realidade que seria mais tarde, na segunda metade do século XIX, superada pelas ciências empíricas. [...]. A filosofia Romântica, dessa maneira, substituía a religião pela intuição estética. Sempre que alguém disser que arte é religião, estamos na esfera da tradição Romântica.[8]

Esta concepção do Romantismo tinha duas premissas importantes para a hermenêutica de Schleiermacher: a primeira é a concepção Romântica do infinito dentro do finito. Isto Schleiermacher fez sem levar em consideração a teologia protestante de sua própria tradição luterana.[9] Ele usava o vocabulário da teologia antiga com uma nova concepção.[10] Seu conceito de um “ser superior” vai além da finitude,[11] isto é, além da natureza.  Isto é, em parte pela tradição protestante e pelo diálogo com a filosofia do Romantismo. Nesta concepção não há lugar para uma revelação fechada e estática.[12] Durante o Iluminismo, a nova ciência do criticismo histórico havia levantado questões que desacreditavam a origem da Bíblia e de Deus.[13]
A segunda premissa estava no conceito de liberdade autônoma. O pensamento do homem é dinâmico e não se submete aos padrões convencionais da religião, pensavam os racionalistas. Por isso os romântico-idealistas como Schleiermacher desenvolveram o conceito da liberdade dentro deste ideal respondendo aos racionalistas.
Dentro das premissas do infinito e da liberdade autônoma, Schleiermacher construiu sua teologia da “intuição”. Esta intuição é baseada em sua proposta do sentimento religioso.[14] Thiselton chama a atenção pelo fato de que esse sentimento religioso não é algo natural do ser humano, ele diz: “intuição não significa sentido ou percepção..., mas significa a permissão que a atividade da presença infinita trabalha no finito ser”.[15]  Neste caso, os estudiosos são quase unânimes em conferir-lhe a posição de “pai da teologia moderna”, “príncipe da Igreja”, “o mais influente teólogo desde Calvino”, e o “idealizador da teologia liberal” por cerca de duzentos anos.[16]  
O período do Romantismo do século XIX foi uma reação ao racionalismo frio da filosofia Iluminista.[17] Isto significa que há uma apologia dos conceitos tais como: Deus, a natureza, o belo, entre outras coisas.  Por causa do racionalismo muitas concepções religiosas estavam sendo desacreditadas. Brown explica a situação de Schleiermacher como um mediador entre a filosofia e a teologia da seguinte forma:
Havia aquela dos Reformadores que baseavam seu ensino na revelação bíblica. E havia aquela dos filósofos que procuravam elaborar uma teologia natural baseada em várias deduções lógicas acerca do mundo, [...]. A partir de Tomás de Aquino, havia aqueles que procuravam combinar as duas abordagens mediante o processo simples de somá-las. E havia filósofos como Kant que sustentavam que as duas se cancelavam mutuamente. Por causa da teologia natural, estar podre nos próprios alicerces era incapaz de sustentar a superestrutura da teologia cristã. Schleiermacher procurou obter um curso no meio dos dois. Desenvolveu aquilo que às vezes é chamada de teologia positiva.[18]

Essa “teologia positiva” ou via intermédia do romantismo-idealista de Schleiermacher sustentava tanto a filosofia como a religião. Havia na Europa do século XIX um descrédito religioso e por outro lado o Romantismo destacava outras áreas tais como: as artes, a poesia[19], os sentimentos e a intuição que eram qualidades da percepção. Segundo a hermenêutica de Schleiermacher essas qualidades eram chamadas de “divinas” ou de qualidades “divinatórias”, ou seja, feminino e intuitivo dentro de cada ser.[20] Essa percepção divinatória foi usada por Schleiermacher na formulação hermenêutica de suas idéias dentro do Romantismo.



[1] Os grandes propulsores do movimento Romântico na Europa foram os irmãos Friedrish William Schlegel e August W. Schlegel e W. Wordsword.
[2] MCGRATH, op. cit.  p.133.
[3] Ibid. p.134.
[4] THISELTON, Anthony  C. op. cit.  p. 204.
[5] SCHLEIERMACHER, E. D. F., Hermeneutics and Criticism and Other Writings. Tradução de Andrew Bowie, New York: Cambridge University Press, 1998, p. 3, Tradução nossa.
[6] THISELTON, A. C.  op. cit. p. 4
[7] GRENZ, S. J. Pós-modernismo: Um guia filosófico para entender o nosso tempo. São Paulo: Edições Vida Nova, 1996, p. 143.
[8] TILLICH, Paul, op. cit. p.92 e 94.
[9] Desta forma Schleiermacher incentiva uma religião natural, isto é, uma religião em que se pode sentir “deus” dentro de cada ser, contrariando a Reforma que afirmou que é impossível ao ser humano buscar a Deus através do ser humano natural, isto é sem Cristo, cf. Rm 3:11 e Ef 2:1-3. 
[10] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã: Um esboço desde a Idade Média até o presente. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989, p.80.
[11] Desta forma o tema de S. J. Grenz e R. Olson está correto quando afirmam que estes teólogos-filósofos intentavam reconstruir a transcendência de Deus destruída pelo Iluminismo empirista. Para mais detalhes veja cf. GRENZ e OLSON 2003, p. 25-71.
[12] Embora não haja entre os Românticos nada contra a Escritura, o conceito desenvolvido sobre o “infinito” ultrapassa a própria Escritura. Para uma exposição deste período veja cf. TILLICH 1986, p. 89-136.
[13] GRENZ e OLSON, op. cit., p.48.
[14] A palavra alemã gefühl  traduzida por sentimento seria a sensação de ficar totalmente dependente de alguma coisa infinita que se manifesta nas coisas e pelas coisas finitas (GRENZ e OLSON 2001, p. 558). Assim a verdadeira religião está “na consciência imediata da existência finita de todas as coisas no infinito e através dele, na consciência de todas as coisas temporais no eterno e através dele” (GRENZ e OLSON 2003, p. 50).
[15] THISELTON, A. C. op. cit. p. 212, Tradução Nossa.
[16] GRENZ e OLSON. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Tradução: Gordon Chown.São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 43-44.
[17] Ibid. 2003, p. 45.
[18] BROWN, C. 1989, op.cit., p. 79 sic.
[19] Destaca-se que neste período do Romantismo Johann Wolfgang Von Goethe (1782-1832) era o grande poeta do momento.
[20] THISELTON, A. C. 1992, op.cit. p. 222.

Abstract


The post-modernity, a daughter of the modern era has suscitasted subjective forms of interpretation. These forms affect the comprehension of the Holy Scriptures´ texts in many senses, separating its objectivity. The purpose of this thesis is to elucidate that subjectivity since the Romantic Idealism until our days and to demonstrate that there are confrontation between both the form of exegesis and hermeneutics proposed by the Reformation and that subjectivity. At the same time it intends to question these methods of interpretation and to demonstrate that the correct interpretation depends on the intension of the Scripture’s author and of the biblical text, in order to eliminate a incoherence of that subjectivity.

Key words: Hermeneutics, Subjectivism, Rationalism, Reformed hermeneutics and post-modernity. 

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